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sábado, 12 de dezembro de 2009

Memórias: Uma delas, uma daquelas

Saímos naquele dia de manhã em direcção a Bucareste. Era véspera de Natal e ali íamos nós em mais uma viagem, donos de uma liberdade tão só nossa definida por “juventude” e partilhada por dois “irmãos”. A neve dos últimos dias já tinha desaparecido e os campos voltavam à cor da terra acastanhada com reticentes verdes que despontavam por ali. Acho que, pela primeira vez desde que havia chegado à Roménia, viajava num comboio com menos de 20 anos, bastante recente até, coisa rara por lá.

Bucareste recebeu-nos fria e preguiçosa no acordar. O meu companheiro de viagem, Iulian, ofereceu-se para me acolher em sua casa durante uns dias e agora, estava também a servir-me de guia para que eu pudesse conhecer um pouco mais daquele país, conhecer as gentes no seu modo de vida, na sua cultura, na sua maneira de ser. E são gentes acolhedoras como quaisquer outras. Enquanto todos os meus colegas do programa Erasmus tinham decidido passar o seu Natal em casa com a sua família, eu decidi ter uma ideia diferente, um pouco mais arrojada, e quando o Iulian me convidou para passar uma semana em sua casa no Natal eu não hesitei. Durante a manhã vagueámos pela cidade conhecendo o que por ali havia. É uma cidade bonita, cheia de história como é normal para uma capital como esta, com uma arquitectura bastante rica da qual faz parte a imponente casa do Parlamento (que é tipo a casa Branca romena e é somente considerada a maior casa em todo o mundo) e um belo jardim. Um grande jardim que, se a memória não me falha e traduzindo para português, se chama “Jardim dos Sonhos”. Achei engraçado o dito jardim. Com longas filas de cadeiras, muito verde e cheio de “amores-perfeitos” floridos no meio do frio e do gelo de Dezembro. As pombas também lá marcam grande presença como em Portugal, ao contrário de na cidade de Cluj-Napoca (onde eu estudava) que é habitada por milhares e milhares de corvos. Enquanto perscrutávamos o jardim e os seus recantos (os edifícios, os longos relvados, o lago que no Inverno se transforma em pista de gelo para patinagem amadora) olhei curioso para um grande eucalipto centenário. Procurei a melhor posição para o fotografar com o Iulian em pano de fundo e enquanto tirava aquela foto, uma imagem prendeu-me a atenção. Uma imagem daquelas. Daquelas simples mas que pelo seu significado nos marca para a vida. Chamei o Iulian e comentei com ele aquilo que me parecia ser um homem a segurar uma pomba nas suas mãos. As pombas, apesar da proximidade que permitem aos humanos, são animais com o seu tanto de bravio e não é nada fácil apanhar uma. Aquele senhor não só segurava aquela nas mãos com outras tantas à volta, como a pomba não se mexia e estava ali serena numa situação em que a sua natureza a devia fazer-se escapar das mãos que a prendiam. Ficámos impressionados com aquela proeza e o Iulian dirigiu-se logo ao senhor, curioso a saber como ele fazia aquilo. O senhor aparentava entre 50 a 60 anos vestido de forma humilde mas bem vestido e composto. Arriscava talvez dizer que seria alguém que vivia sozinho. Quando nos aproximámos o Iulian perguntou-lhe qualquer coisa em romeno mas ele não respondeu. Parecia absorto no seu mundo interior, como que mergulhado num autismo egocêntrico sem capacidade de acesso a outros sentidos para além do seu pensamento. Reparámos então que o senhor estava a chorar e, num gesto terno, encostou suavemente a sua cabeça ao peito da pomba que segurava nas mãos. Chorava na dor de quem tinha perdido um filho, de quem tinha perdido uma mulher, de quem tinha perdido uma família ou o resto dela. De quem estava sozinho e não tinha com quem partilhar aquela noite especial. Atordoados com aquela cena meio surreal ficámos sem saber o que dizer, o que fazer, e decidimos afastarmo-nos para o deixar só na sua melancolia. Mas aquela imagem não me saía da cabeça. Nos seguintes minutos vi aquela imagem vezes sem conta. A imagem de alguém sozinho. De alguém que estava sozinho no mundo e que procurava escutar de perto o bater do coração daquele ser vivo que se deixava levar na solidariedade pela tristeza das mãos que o seguravam. Lembrei-me da forma como tantas vezes nos queixamos daquilo que temos e do que não temos. Lembrei-me que, mesmo a 2500 Kms de casa, tive uma família que me acolhesse na noite de Natal e aquele homem parecia estar sozinho no mundo e tinha apenas aquele bater de coração que segurava nas suas mãos para se sentir vivo e minimamente acompanhado. Senti-me mal por não poder partilhar aquela família com ele, mas nem sempre podemos fazer o que o coração nos grita e às vezes temos mesmo que ficar quietos e de mãos atadas.Prosseguimos o nosso caminho sempre com aquela imagem em loop na nossa cabeça mas tentando não falar nisso. Demos a volta ao jardim e passámos naquele sitio outra vez, não na esperança de presenciar o sofrimento, mas antes com a ânsia de rever aquela imagem que tanto nos marcou. Mas o homem já lá não estava. Havia ainda algumas pombas ali à frente do coreto, a voar ou pelo chão em busca de migalhas, mas o espaço já não tinha aquela imagem mágica para o preencher. Continuámos então a nossa viagem pelo resto da cidade. Vimos um pouco mais da arquitectura clássica que preenche aquela linda cidade e ainda passámos por uma barraca de oferta de abraços. Talvez aquele homem devesse ter passado naquela barraca. Talvez um abraço amigo o tivesse ajudado, mas nem a isso ele teve direito.Antes do fim do dia pegámos o metro até à estação de comboios e corremos, corremos, corremos até apanhar o comboio. Conseguimos entrar no comboio com ele já em andamento, pelo que não tivemos tempo para comprar bilhete na estação. Pagámos meia dúzia de dinheiros ao revisor para não nos cobrar o bilhete (denote-se que é prática comum naquele país) e seguimos duas horas de viagem até casa.

Ao chegar a casa lá estava aquela família que era minha também por uns dias. Eu comunicava com o Iulian e com as duas irmãs (as duas médicas) em inglês, mas com os pais a comunicação era mais restrita. Contanto nada disso me impediu de ter sido muito bem acolhido durante aqueles dias. Era noite de Natal e a ceia (apesar de eles nem saberem o que é bacalhau) foi bem recheada como se fosse em Portugal. Fizemos serão, trocámos prendas, tirámos fotos e fizemos uns vídeos animados. Alguém de fora dificilmente diria que eu apenas conhecia aquela gente há uns dias, tal não era o à-vontade que se fazia sentir entre nós. Liguei para Portugal e utilizei as novas tecnologias para mostrar como me estava a dar bem na noite de Natal mesmo tão distante da minha família. Lembrei-me novamente daquele momento marcante, daquele homem. A tristeza aflorou-me aos olhos mas repulsei-a. Esqueci aquilo e fui-me deitar quando a casa já estava em silêncio. Apesar de tudo, a única coisa que posso fazer é ignorar a tristeza dos outros quando não os posso ajudar e fazer de conta que aquela imagem nunca me entrou na cabeça. Fazer de conta que a tristeza não existe. A ignorância é uma bênção, tal como diz o Doutor. Mas isso é necessário. É necessária ponderação. É necessário esquecer. Ajuda-nos a não cair na melancolia e a viver melhor. Deixarmo-nos levar sempre por aquilo que nos pede o coração é como deixar um homem guiar-se apenas pelas suas hormonas, e isso não tem lá muito bom resultado sem um pouco de controlo… Esquecer o resultado mas não esquecer a mensagem, porque essa… essa ajudou-me a saber agradecer diariamente cada sorriso que me oferecem e cada momento de alegria que me proporcionam. Agora sei agradecer quando sou feliz e esquecer quando sou triste.


É Natal, ele está a chegar. Já teve mais significado que agora, mas não deixo de sorrir e dar graças por estas épocas diferentes, estes momentos de alegria e compartilha que são únicos, onde quer que estejamos. E enquanto não for capaz de agradecer o pouco que tenho, nunca serei merecedor de mais.


Votos de uma boa época natalícia.


domingo, 8 de novembro de 2009

Guitarras

From: "http://guitarradecoimbra.blogspot.com/"


Guitarras há muitas, mas em Coimbra só há uma.

E tu, Guitarra de Coimbra, roubaste o meu coração...

outra vez...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A Estória do Pequeno Mamute

Uma estória no mínimo lúdica... :p

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Era uma vez um menino

Era uma vez um menino que um dia ganhou consciência. Começou a perguntar-se porque é que ele era ele, porque é que ele estava naquele corpo, porque é que ele tinha aquele nome, porque é que ele era aquela pessoa, porque é que ele tinha aquelas características, aquele cabelo, aqueles olhos, tudo aquilo que fazia dele ele mesmo.
Era uma vez um menino que adorava a sua família, o seu país, a sua pequena vida e a sua escola. Perguntava-se porque é que o seu pai não tinha um pai, porque é que o seu avô se tinha ido embora antes de o conhecer.
Era uma vez um menino que começava a crescer devagarinho, que um dia a meio de uma trovoada viu um raio cair a poucos metros de si enquanto brincava na escola. Perguntava-se porque é que aquilo o tinha assustado tanto e ele via os outros meninos a chorar e não era capaz de chorar.
Era uma vez um menino que adorava a praia, os piqueniques com a família e amigos, aqueles dias à beira-mar naquela barraca do amigo pescador, brincar na areia, olhar para o mar e imaginar o que compunha a infinitude para lá da linha do horizonte, para lá daquilo que conseguia ver. Perguntava-se porque é que um dia, enquanto passeava à beira-mar, uma onda o quis levar, o embrulhou, o levou às voltas por entre a água que engolia enquanto se sentia incapaz de sequer chamar pelo seu pai que segundos depois o salvou por um triz.
Era uma vez um menino que pensava que tinha muitos amigos, via no seu padrinho o seu melhor amigo, ele levava-o a passear, dava-lhe muitos brinquedos engraçados e tinha um coração enorme. Perguntava-se porque é que esse seu melhor amigo tinha morrido atropelado por um carro, meses antes de se casar e de ir viver para a sua casa nova.
Era uma vez um menino que aguardava ansiosamente o Verão, altura em que chegava de França a sua tia que lhe trazia pequenas lembranças e grandes sorrisos, que lhe dizia de forma terna e carinhosa aquelas coisas “Como cresceste! Como estás a ficar um homem grande e bonito!”. Perguntava-se porque é que a sua tia se foi embora para sempre, levada pelas sombras do cancro, lá longe, sem ele se poder despedir dela.
Era uma vez um menino que havia acabado de celebrar o Natal e aguardava com entusiasmo a festa de chegada do Novo Ano. Perguntava-se porque é que a sua alegria foi levada quando a sua avó foi levada para o hospital, porque é que ela agora mal se mexia, não falava, estava sempre deitada e nem conseguia comer pela sua própria mão, porque é que ela ficaria assim durante anos neste mísero sofrimento e angústia.
Era uma vez um menino que sonhava com o casamento da sua irmã, um dia de grande festa na família, um dia pelo qual tinha esperado durante anos e que se realizava dentro de poucos meses. Perguntava-se porque é que se sentia a ter um déjà-vu ao ver o casamento da sua irmã adiado por mais um ano enquanto esteve internada por lhe ter sido diagnosticada leucemia.
Era uma vez um menino que cresceu mais e mais, que mudou de escola, que mudou, que começou a fazer novos amigos, que se apaixonou, que começou a explorar os desígnios do amor, que conheceu outros mundos sociais, outras maneiras de viver, outros países, outras culturas, outras pessoas, que decidiu dedicar o seu tempo a algo que gostava, que começou a ver a sua vida a crescer de dia para dia. Perguntava-se porque é que a vida nos obriga assim a crescer, para o bem e para o mal. Perguntava-se porque é que ele se tornava homem a cada dia que passava, a cada gesto, a cada decisão que tinha que tomar, porque é que tinha que crescer, assim quisesse ou não.
Um dia, já homem, descobriu que o mundo estava a ficar louco, que os valores se estavam a perder, que não valia a pena lutar, que os sentimentos já não existiam, que era tudo uma farsa, que a futilidade e indiferença pareciam tomar conta de tudo e todos. Descobriu na sua cruel tristeza que palavras daquelas já não significavam nada, gestos daqueles já não significavam nada, olhares daqueles já não significavam nada, abraços daqueles já não significavam nada, beijos daqueles já não significavam nada! Tudo parecia haver perdido o seu valor! De que valia então a paixão, dar de si o seu melhor, oferecer toda a sua alma a uma outra pessoa se até já um beijo se perdia no esquecimento e na indiferença de um dia para o outro? Vale a pena gostar de alguém assim? De alguém que só vê girar o mundo à volta dela própria? Que só liga ao seus vícios, vontades e necessidades sem ligar sinceramente aos outros ou mesmo ao que é melhor para si?
Era uma vez um homem, um homem grande, mas um pequeno homem. Um homem que lamentava o estado das coisas, a perda da importância do valor do significado. Perguntava-se porque é que não poderia voltar a ser menino outra vez, voltar atrás no tempo e estancar. Parar num tempo onde os sentimentos não tinham grande importância e não tinham significado. Queria voltar a ser criança, a não ter de se preocupar com beijos daqueles, com abraços daqueles, com olhares daqueles, com gestos daqueles, com palavras daquelas. Queria voltar a viver a inocência de um tempo em que tudo importava mas nada contava. Um tempo onde podia sonhar sem pensar em limites, onde podia levar a imaginação ao limite do seu próprio poder, sem ter em conta as barreiras físicas e sociais que prendem os homens grandes ao chão. Barreiras essas que fazem as pessoas cair num comodismo pleno de indiferença pelos sentimentos verdadeiros, uma indiferença onde já nem um beijo… nem um beijo daqueles tem significado…
Era uma vez um homem que estava triste por ver todo o seu esforço desprezado pelo destino. Perguntava-se se valeria a pena remar contra marés, e decidiu sensatamente deixar-se levar ao sabor do vento, desistiu de remar contra ondas de força maior que a sua e levantou a vela e destrancou o leme, pelo menos até encontrar terra de valor à vista…

domingo, 26 de julho de 2009

Conversas

Conversas na fila do quiosque do pão:
"-Oh Matrakilho, já alguma vez pensaste que se calhar nós amamo-nos e não sabemos?
-Sei lá, talvez, toda a gente diz que nós ainda vamos acabar juntos um dia!
-lol...
-lol..."
:p

sábado, 18 de julho de 2009

Pensando, dissertando, elaborando teorias


Todo e qualquer facto e acontecimento é determinado por ciclos/correntes intermináveis de influências, que fazem da aleatoriedade uma verdade inventada e questionável.
Teoricamente tudo é cientificamente explicável. O "inexplicável" e o "aleatório" são classificações atribuídas pela absurda dificuldade lógica de determinar e descobrir os ciclos/correntes de inlfuências que deram origem a tais acontecimentos. Até um simples comportamento humano é influenciado por uma personalidade moldada de determinada forma e por meras reacções químicas cerebrais. O destino como o conhecemos, como o tratamos, acaba por ser matematicamente possível de prever.
Será que o futuro é modificável?
Será que vale a pena lutar contra as correntes de influências que nos aprisionam?
O destino não é um livro divino escrito no início do Mundo onde tudo está registado, mas não existem dois futuros possíveis, o que virá será único, aproveita, não lutes.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

o que se vê

A imagem não é minha, elogio a sua autoria, mas é que ela serve o propósito das minhas palavras...

É triste assistir a um teatro de marionetas ao vivo, na vida real, onde as marionetas querem acreditar que têm decisão e força próprias, e são simplesmente manipuladas ao sabor do vento, das vontades, sejam elas divinas, abstractas ou humanas...

sexta-feira, 3 de julho de 2009


Quem não tem um dia bom daqueles? E quem não tem também um dia mau daqueles de vez em quando? Hoje a soneca não correu muito bem e acordei com o espírito da mula. Parece que ao invés de um sono revigorante tive um sono desgastante. É normal, acontece, e vai-se tentando controlar a má disposição de forma a evitar que os outros levem com o nosso mau humor em cima sem terem culpa, o que, só por si, não é um esforço nada pequeno. O sol dá mostras de querer dizer que o dia é bonito e que toda a gente deve estar feliz e contente, mas por razões que a injustiçada da própria razão desconhece, às vezes lá temos que ser do contra, andar do contra, mesmo com condições climatéricas agradavelmente favoráveis. Esta pressão dos exames, ansiedade e nervos não ajudam em nada ao controlo.
Lá pelo meio do dia até nos surge uma voz bonita ao telefone, algo que nos faz querer sorrir, mesmo que, com tudo o que acontece, a disposição não seja a melhor. Um convite simpático que nos diz que às vezes até somos importantes, especiais, ou mesmo apenas necessários. O cansaço era algum e a custo lá fui tomar um duche para aceder ao convite.
Ponto de encontro: o sítio do costume.
A pessoa: não está lá, saiu, disse que vinha em minutos e já lá vão duas horas.
Ao que parece foi enfrascar-se em drogas sentimentais que lhe permitem sentir-se feliz, ainda que apenas por alguns minutos, horas, não mais. A droga fê-la chorar num outro dia, fê-la chorar no meu ombro, fez-me ampará-la com a ternura que não consigo negar-lhe e fez-me limpar-lhe as lágrimas. Saiu então nesse dia com um sorriso rasgado, divertida ou simplesmente bem-disposta. Eu, orgulhoso e cansado do meu pequeno trabalho, saí com um sorriso igual ao dela.
Disse-lhe para fazer o correcto, para se largar de um vício errado e que ela sabe ser errado, ela assentiu e recusou-se a ser vítima da fraqueza, a rasgar o seu orgulho. Mas hoje, contra tudo isso, correu e fugiu. Aqui estou eu à sua espera enquanto ela corre doida atrás de sonhos mentirosos, atrás da sua ilusão de ser feliz. Às duas por três, com esse seu coração de menina apaixonada e iludida com esses sonhos, terei que lhe limpar as lágrimas de novo. Sim, porque com muita pena minha ela voltará a derramar aquelas lágrimas de coração quebrado.
Tenho pena que os seus sentimentos se sobreponham à sua consciência, e que ela dê mais valor a quem a faz brotar aquelas gotas de cristal antes de adormecer do que a quem faz um esforço apenas para a ver sorrir. Tenho pena. Compreendo, perdoo, mas não concordo e não tenciono cooperar. Chorar faz bem, até nos acalma, mas correr em busca do choro é sadismo. Um sadismo tramado a que o sentimento nos expõe, uma perda da noção, da coerência, da razão, da calma, da objectividade. Espero que percebas o melhor a fazer, que não te atires "over and over again" para a toca do lobo. Espero que, apesar de todas as cabeçadas que possas dar, nunca percas aquele sorriso, aquela parolice única que te dá um brilho especial.
E no final de tudo já sabes: "It's up to you to do the right thing, it's up to you to get ok, to feel ok, to be ok..."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Tardes de Domingo

Passeando à beira mar nas habituais soturnas tardes de domingo, ouço o pranto das gaivotas que teimam em não deixar este sítio. Não é difícil perceber porquê, há poucos sítios belos, puros e autênticos como a fronteira onde o mar se funde com a terra.
O que me traz aqui não é mais que a paz. É fácil por aqui abstrair-me de um mundo criado criado por um Deus que já não lhe tem mais as rédias. O rumo da idiotice humana foi já para muito longe do controlo deste mundo ameaçado. A fantasia reina demasiado por sobre a consciência. E pior, as previsões são tudo menos boas.
Fujo para aqui e ouço o que o mar tem para me dizer. Diz-me ele para fazer evaporar os problemas, as ânsias e as inquietações que me fervilham na cabeça. Com calma explico-lhe que, depois de muito caminhar, o meu barco não é mais fustigado por ondas de paixões tramadas e problemas acrescidos. Chamam-me parvo por me rir na cara dos problemas (como se o fizesse de consciência leve), mas rio para não chorar. E felizmente ainda sou capaz de rir, sorrir. Porque a vida nem está assim tão má, "podia ser pior" dizem eles, e já tenho estofo para sobreviver num mundo de loucos.
Valem-me a noção da realidade, a lógica e razão, conceitos que procuro infindavelmente. Por trás de uma casulo de imaturidade (que me protege da loucura) rio-me dos outros e tomo gozo a observar. Tolos são esses marinheiros que navegam sem rumo. É muito giro dizer-se downshifter mas ainda são a preocupação, a organização e a meticulosidade que mantêm as coisas no trilho por enquanto.
"Olho vivo e pé ligeiro". Mas não abuses, não dispenses contemplar os outros com um sorriso, mas um que seja verdadeiro, sabes bem como é bom receber um belo sorriso para começar bem mais um dia do resto das nossas vidas...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Deep Paths

Deep pathds. Caminhos profundos traçados por um arado perito na mestria de rasgar corações, mesmo os mais fortes.
São ventos agrestes que sopram infernais, qual fole que atiça o braseiro incandescente que molda impiedosamente o ferro.
É um sol nada alegre mas devastador que retira as forças e o fôlego.
É um misto de factores que pesam no espírito e rebaixam a acalmia de uma felicidade serena e tranquila. Uma felicidade de quem, a custo, aprendeu a viver de bem consigo mesmo.
Deixai vir outros trilhos. Na próxima esquina há-de aparecer uma estrada que leve a um melhor caminho. Sem pressas. Às vezes sabe bem fugir do corrupio imparável e deixar-se levar um pouco ao sabor do vento. Parar é morrer, e estancar num mau sítio é o que nos faz entorpecer os sentidos.
Depressa ou devagar a outros sítios chegaremos, outras pessoas conheceremos, outras coisas aprenderemos, outras pessoas nos tornaremos. Porque por muito que assim não queiramos, o artista do destino sempre acaba por nos moldar ao seu jeito como sendo seu barro. Caso pra dizer: "Filho da mãe..." :p

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Ai a mulher, a mulher... é fogo e não sabe o que faz! :p

Uma música bonita:
Ezspecial - Alguém Como Tu


"Eu olhei nao percebi a tua timidez
mas gostei do que vi
quero te outra vez

uh uh uh alguem como tu
uh uh uh alguem como tu
uh uh uh alguem como tu uh uh... uh uh

a mulher e fogo e nao sabe o que faz
tira me o sono e nao me deixa em paz
nao demora a esquecer e a mudar... o que tem
nao quer saber de nada nem de ninguem

eu joguei e perdi tudo de uma vez
ja amei e vivi mais do que uma vez
sabes de mais sobre mim
queres tudo o que ves

uh uh uh alguem como tu
uh uh uh alguem como tu
uh uh uh alguem como tu uh uh uh uh

a mulher e fogo e nao sabe o que faz
tira me o sono e nao me deixa em paz
nao demora a esquecer e a mudar...o que tem
nao quer saber de nada nem de ninguem

sou passageiro na tua viagem para onde vais?
e tenho o tempo na bagagem...quando e que sais?
saio no encalço do meu destino e nos teus sinais
tenho a sensaçao de querer mais

a mulher e fogo e nao sabe o que faz
tira me o sono e nao me deixa em paz
nao demora a esquecer e a mudar... o que tem
nao quer saber de nada nem de ninguem"

domingo, 11 de janeiro de 2009

O valor das palavras


Passeava uma vez à beira-mar sozinho, sozinho e acompanhado por aquele ribombar das ondas sem fim de que tanto tenho saudades. Era inverno, eu caminhava descalço e a areia não estava nada quente, pelo contrário, os meus sentidos manifestavam-se dizendo que eu não estava a fazer o correcto para o meu corpo, para mim. Mas apesar de já ter sido assim, hoje não sou mais de seguir aquilo que os outros dizem e julgam, já não vivo para ouvir os julgamentos de quem se julga alguém para me julgar por ter julgado alguém.
Seguindo esse trilho de louco, de quem não escutava os seus sentidos, caminhei sempre para diante, seguindo a costa sem fim. Havia começado a chover mas eu segui o meu objectivo imperturbável com um sorriso de insanidade. Pelo caminho respondia aos insultos do mar, o mesmo mar que anos atrás me tinha tentado levar nas suas garras para o silêncio da morte. Mas eu escapei e hoje perdoo-te, porque tu és selvagem como um animal e é de tua natureza fazeres isso. Nessa doce troca de insultos sumptuosos e bem audíveis larguei palavras de raiva e disse aquilo que tinha para dizer. Deitei-as ao mar e esperei que tais feias palavras gerassem ondas mais fortes e com mais raiva. A rebentação aumentou, a chuva também. Gritei mais alto e bradei aos céus que não estava bem, gritei a plenos pulmões e libertei toda a fúria dentro de mim. Depois acalmei-me e sentei-me no areal a observar aquele complexo amor/ódio que tenho para com o mar tal como com as mulheres. Hoje a minha mulher és tu, não gastarei mais do meu latim com humanos que vivem sob influência do estado da lua. Oh, santa ironia, tu também vives coordenado pelos estados da lua… Mas tu segues um calendário, uma coordenação, elas não, elas seguem o calendário da surpresa.
Bradei palavras porque as palavras têm significado, têm valor e dentro de mim só fazem estragos.
Estava já a tremer e voltei para casa. “O carro avariou-me pelo caminho” justifiquei-me eu para o facto de estar encharcado. Utilizei palavras para comunicar, para enganar, para dizer verdades, para constatar factos, as palavras têm valor.
Era domingo, fiz as malas e segui para Coimbra. Pelo caminho parei naquela pequena e acolhedora terra, gosto de visitar o castelo. Que saudades tenho daquele pequeno castelo… Raro é por lá passar e não parar. Aquele pequeno castelo é bonito, tem significado e acolhe-me sorridente e solarengo quando preciso de um espaço. Hoje porém é já de noite há muitas horas e em alguns minutos entro pela manhã fora. O castelo está fechado, mas está lá. Está fechado mas a chuva e o vento correm à sua volta para me ouvir. Está escuro mas a luz da lua acompanha-me por entre as nuvens. A solidão só me dá espaço. Grito então as palavras que me corroem a alma e solto mais da minha fúria cá para fora, O vento tratará de levar este grito de agonia para onde ele deve ir, a lugar nenhum. Porque eu também sou humano e ninguém pode saber, ninguém pode perceber que eu sou fraco e que tenho os meus maus momentos.
Liberta mais um pouco de raiva e sigo rumo ao meu destino.
Conduzir é uma bênção para mim, e o ar fresco que me entra pela janela faz-me sentir bem até mais não. Entrando numa estrada com melhores condições acelero. Mas hoje não estou em paz e acelero mais e mais. Com um carro mais velho que eu e uma velocidade estupidamente perigosa para as condições continuo a acelerar. Hoje não estou em paz e preciso libertar a força maligna que me faz efervescer os pensamentos em turbulentos desejos vingativos, quer seja por mim próprio, quer seja através daquilo que comando.
Coimbra acolhe-me silenciosa, são horas de estar a dormir e as ruas estão desertas. Entro no meu quarto e largo as pesadas malas carregadas de memórias e melancolia. Abro a porta da cozinha que dá para o exterior e ouço o fantástico e raro silêncio que por aqui se faz ouvir a estas horas. As nuvens já fugiram e timidamente algumas estrelas começam a abrir caminho por entre a escuridão azul do céu. De repente uma forte corrente de ar, um vento maligno entra pela cozinha dentro, arranca a última folha daquela planta e leva-a. Levou consigo o último resto de vida daquela planta de que eu tinha prometido cuidar. Senti-me mal, não fui capaz de cumprir a minha missão e a raiva invadiu-me mais uma vez. Bradei, gritei, berrei então a plenos pulmões porque a raiva tinha tomado conta de mim mais uma vez. Gritei como um louco e calei-me como um mudo. Voltei para dentro de casa e apaguei as luzes. Cansado atiro-me à cama e deixo-me adormecer levado pelo cansaço.
Acordo cansado e com a boca seca. Levanto-me e encho o copo com água. Enquanto degusto aquele liquido vital, sem sabor e infinitamente saboroso, espreito pela janela. O puro branco da neve que tudo cobre deixa esta paisagem numa acalmia tremenda como o meu coração precisa. As imagens e as palavras têm muito valor, e os sonhos também, mesmo que sejam sonhos abstractos como os meus. Na verdade estou noutro sítio, noutro país, noutra cultura e noutra vida. Talvez eu devesse tentar não me deixar dominar pela raiva. Talvez eu devesse deixar de lado tudo o que de mal me fizeram, tudo o que me fez sofrer, porque o que lá vai lá vai e não tem mais conserto. As cicatrizes servem apenas para nos lembrarmos que agora somos diferentes, não para gerar raiva. Talvez eu devesse aproveitar mais os momentos e não fazer deles oportunidades para me vingar dos maus sentimentos. Talvez eu deva ter mais cuidado com a minha vida e não ser tão negligente, não deixar a vida passar sem a aproveitar para que um sopro de vento a leve sem sentido. Talvez eu deva fazer um esforço para mudar tudo isso.
Abro a torneira e ponho a banheira a encher. Enquanto isso ligo ao meu amor, acordo-a e digo:
-Bom dia! Obrigado por existires…
E do outro lado ouço uma resposta sincera:
-Obrigado, também te amo…

Porque as palavras têm valor, muito valor…

domingo, 4 de janeiro de 2009