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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Distâncias

É o poder destes fins-de-semana na casa a que realmente posso chamar casa, na terrinha que me viu nascer e crescer. Umas vezes revitalizam-me e deixam-me pronto, como novo, para mais uma semana de correrias. Outras vezes fazem-me sentir que estou a perder a minha “joie de vivre” de uma forma decadente. Crises de ¼ de idade. Sim, porque mesmo nestas idades já é possível sentir a vida acabar-se, é possível sentir o bom sabor a perder-se no tempo desgastado. O sol ainda tem vergonha em mostrar-se a sério, e isso não ajuda ao meu estado sombrio. Sou um coração perdido em penúrias sombrias, escondido em fados indefinidos que me deixam quedado na incerteza e na tristeza. O nervinho anseia e anseia, mas nem sabe bem pelo quê. Podia-me dar paz!... É que, mesmo não querendo, mesmo só querendo respirar um pouco de quietude, atormenta-me a falta de algo. Como raio posso sentir a falta de algo que nunca tive e não conheço? É justo? É justo ter que suportar uma dor que finjo que não sinto, essa dor que finjo que não existe? Que não sei sequer porque me toca? Não me traias fado maroto, não mais. Quero descanso no meu coraçãozinho como o tinha em criança, quando não tinha que me preocupar com mais nada se não com a possibilidade de levar umas sovas. Nesse tempo bem que podia explorar o mundo à vontade e responder a todas as minhas questões existenciais. Agora não tenho sequer espaço no tempo para pensar no que vou almoçar amanhã. E isso assusta-me, porque as responsabilidades da minha espécie de vida de adulto sugam-me todo o meu tempo de vida, e as melhores coisas, aquelas que nunca tive oportunidade de experimentar e provar, ficam cada vez mais longe e difíceis de alcançar.
Não quero voltar a casa. Não quero ter de lidar com problemas que, apesar de tudo, não são meus. Não quero angustiar-me por causas que não são minhas. Quero o meu espacinho, o meu canto, o meu oxigénio, a minha solidão, a minha vida inocente de volta, não quero ser grande, quero ser pequenino e insignificante!

Alguns dias depois estou num país distante e Portugal cede. País esse cínico e irresponsável. Vontade a minha é ficar por estes lados... Para a vida!

sábado, 26 de março de 2011

Vagueando



Não fazer nada também cansa, e eu estava cansado. Saí à rua para ir dar um passeio de carro. Enquanto descia as escadas, percorrendo as mensagens no telemóvel, deparei-me com um rascunho, algo que acho que tinha escrito para mim mesmo: "a vida nunca te entrega algo com que não consigas lidar".
Se fosse outro dia, a outra hora, noutro momento que não este, talvez aquela frase me tivesse feito parar. Mas não hoje. Arranquei então, bulindo por aí fora, perdido no gozo da atenção à estrada, e fui perscrutar caminhos nunca antes por mim explorados. Vivo há cinco anos nesta cidade e nunca ter vagueado pelas fronteiras deste pequeno sítio, faz-me sentir que vivo fechado numa caixa de fósforos. A noite é uma coisa estranha, um mundo à parte. Talvez por isso me atraia tanto. E, como não me acontecia desde há muito tempo, senti o oxigénio do silêncio a entrar-me alma dentro como se não houvesse amanhã. Abri as janelas do carro e acelerei naquela recta, tanto quanto o motor rugindo de aperto dava... 160... 170... e travei, e afrouxei, porque o meu pai se empenhou em oferecer-me algo de valor que não tenciono destruir por desrespeito. Parei ali à beira de uma rua abandonada, tipo cenário de filme americano. Vi um cartaz a anunciar o desaparecimento de uma senhora, coisa que não me lembro de alguma vez ter visto por terras lusas, desde pequenino. Verdade. Fugi dali, o ambiente era mais hostil que acolhedor. Fui procurar o subterfúgio dos arredores e dei com uma ponte velha, abandonada, em desuso. Fiquei curioso ali a olhar, a pensar no que aquilo já foi, no que haverá de ser. Caminhei e aproximei-me da borda. A leve brisa trazia um toque melodioso a um cenário estocástico dentro de mim. E olhei para baixo. E reflecti. E voltei para trás. Porque de tragédias está o mundo cheio, e eu hei-de ter o meu tempo. Mas que desejo! A água à minha volta, sem outra coisa para ouvir, para me cobrir como uma concha, e me fechar para a miséria... Corro em esforços que tudo o que recebem são gozo e desprezo, e ainda assim o meu coraçãozinho bate cada vez mais forte. Ser assim desvalorizado dói como poucas mazelas. Vale que a raiva já facilmente suplanta e faz esquecer tudo o resto. Mas que raio de meio é este que me faz segurar a minha própria vida por pena e para chupanço dos outros? Sou eu assim tão tolo e desmedido da realidade? Corri todos os meus contactos e ninguém se mostrou disponível. Logo hoje! Logo hoje... Junto à estrada um mendigo aguarda qualquer coisa dentro de uma paragem de autocarros. Triste homem, não passam autocarros a esta hora noite dentro! Parei à sua beira e convidei-o a entrar. Olhou-me desconfiado. Ofereci-me a pagar-lhe uma bifana nas rolotes à beira-rio. Não hesitou muito, não se pode dar a esse luxo. O cheiro denunciava a falta de um banho há uns bons dias. Tentou meter conversa mas eu gentilmente cortei-lhe o discurso e dei-lhe a entender que não pretendia conversa. Levei-o ao seu melhor manjar dos últimos tempos e ele não demorou a dar a volta ao pão bem filado com conduto. Bebeu um refrigerante, também por minha conta, arrotou satisfeito e ficou a olhar para mim. Caminhei em direcção ao carro e ele seguiu-me obediente e agradecido. Fiz a viagem de regresso e deixei-o onde o tinha pegado. Sentou-se calmo, impávido, sereno, questionando-se mas não o transparecendo. Arranquei devagar enquanto os olhos dele me seguiam, ainda duvidosos das razões ou da realidade sequer. A caminho de casa vejo um grupo de estranhos que pendura balões nos carros estacionados pela rua fora, e contam já com uma bela empreitada... Estranha noite esta, estranha noite esta!

quinta-feira, 3 de março de 2011

Pedaços



A noite é um vaca preta. O fado é uma criança indulgente de braços abertos e ombros acachados. Eu sou uma consciência abstracta que foge do concreto, que todos os dias a si própria engana dizendo que sabe o que é certo. Encontro-me perdido no meu próprio espaço. É bem mais fácil viver num mundo onde eu não existo. Cabe a alguns carregar o mundo às costas, cabe aos outros usar esse esforço para simples e egoísta proveito próprio. Não sei onde me enquadro. Sou um alquimista desencontrado que procura a fórmula da verdade. Mas não a encontro. Sei que te quis mostrar um outro lado. Um outro lado que é o verdadeiro. Um outro lado que não é o verdadeiro. Um outro lado que é aquilo que cada um quer que ele seja. E estraguei o bem que tinha nas mãos. Quase te levei a um lugar que não querias conhecer. Não ainda. Porque é um sítio cruel e demasiado real. E a tua inocuidade sustenta a tua vida. Uma vida que é frágil como uma folha de papel, mas bem te leva nas nuvens da despreocupação e da doce simplicidade. Ou parte disso. Sinto-me mal. A sério que sinto. Não gostei que a minha insolente forma de ver as coisas te deixasse assim de mal contigo própria. Mas são coisas que acontecem. Não sou muito um homem de arrependimentos. Morreria se o fosse. Não me sinto arrependido, mas sinto-me mal.

... isso descrevendo metade da coisa. A outra metade é uma concomitante saga que ninguém me ajudou a concluir até agora. Espero que o clichê surta o seu efeito e que as coisas surjam quando menos esperar. Mas que venham depressa e por bem. Porque venho toda a minha vida a maltratar os meus calcanhares numa jornada sem fim que me castiga por ser quem não gostaria de ser. Não escolhi isso. Escolho agora desejar que a jornada tome um fim. Que eu possa ser completo com uma entidade que assim o mereça. Não importa qual. Não importa como. Desde que me aborde de forma breve, sucinta e sem complicações. Esse é o verdadeiro eu. Essa é a identidade de qualquer alquimista que comigo se identifica. Que quer ser gente por "dá cá aquela palha", mas que se esforçará muito mais pelo melhor, se ele existir. Tão somente quero ser feliz, tão somente quero uma sintonia...